Entrevista com o Bispo Emérito da Diocese de Livramento de Nossa Senhora – BA, Dom Armando Bucciol

A Diocese de Novo Hamburgo, nos dias 3 a 5 de outubro, promoveu o encontro de formação litúrgica sobre a 3ª Edição típica do Missal Romano, dando ênfase nas dimensões teológicas, históricas, espirituais e pastorais. O Evento ocorreu no Pensionato São José da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitencia e Caridade Cristã – São Leopoldo. Estiveram presentes o Bispo Diocesano de Novo Hamburgo, Dom João Francisco Salm, os padres, diáconos, seminaristas e leigos da Diocese. O orientador do curso foi o Bispo Emérito da Diocese de Livramento de Nossa Senhora – BA, Dom Armando Bucciol. Ele nasceu em Villanova de Motta de Livenza, província de Treviso, na Itália, em 3 de julho de 1946. Cursou Filosofia e Teologia no seminário diocesano de Vittorio Veneto. Foi ordenado sacerdote no dia 12 de setembro de 1971, na diocese de Vittorio Veneto. Em 17 de Abril de 2004, foi sagrado bispo na cidade de Guanambi, tomando posse na diocese de Livramento de Nossa Senhora, no dia 18 de abril. No dia 11 de maio de 2011, foi eleito presidente da Comissão para a Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e, em 2015, reeleito para o serviço até 2019. Foi eleito membro da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB, para o quadriênio de 2019 a 2023. Em entrevista ao site da Diocese, Dom Armando, Bispo emérito, falou sobre a importância da liturgia na vida da Igreja.

Padre Fábio: O que é liturgia?

Dom Armando: É a oração da Igreja! Com ela, o Povo de Deus louva a Deus, por meio de Jesus Cristo no Espírito e, desse modo, é santificado, isto é, envolvido no amor do Senhor para tornar sua vida mais coerente com os ensinamentos e o exemplo de Jesus. O Concílio Vaticano II, no documento sobre liturgia (Sacrosanctum Concilium), escreve: “A Liturgia é tida como o exercício do sacerdócio de Cristo”; ainda: “Toda celebração litúrgica é ação sagrada por excelência por ser ação de Cristo Sacerdote e de seu Corpo, que é a Igreja” (SC 7).

Padre Fábio: Como a Liturgia pode nos ajudar na Evangelização?

Dom Armando: O documento conciliar considera a Liturgia cume e fonte da vida cristã: “De fato, o trabalho apostólico é realizado para que todos, pela fé e o Batismo, se tornem filhos de Deus no seio da Igreja, participem do Sacrifício eucarístico e se alimentem na Ceia do Senhor” (SC 10). Ainda: “A própria Liturgia impulsiona os fiéis, para que saciados pelos “sacramentos pascais” vivam “unidos na caridade” (SC 11). Por isso, a Liturgia é momento muito importante na obra de evangelização; ela anuncia Jesus Cristo, Evangelho do Pai, através de sinais e símbolos, gestos e palavras que favorecem o conhecimento amoroso do projeto divino de salvação. Todavia, nada de mágico! É preciso que os fiéis vivam da Liturgia que celebram, que acolham com atenção e procurem viver com coerente fidelidade a Palavra do Senhor. Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho) 24, o Papa Francisco escreve: “A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade evangelizadora e fonte de renomado impulso para se dar”; e na Carta Apostólica Desiderio Desideravi 37: “Uma Celebração que não evangeliza não é autêntica, tampouco um anúncio que não leva ao encontro com o Ressuscitado na Celebração: ambos, portanto, se carentes de testemunho da caridade, são como um bronze que soa ou um címbalo que retine (1Cor 13,1)”.

Padre Fábio: Qual a importância e a relação da Liturgia na Catequese Catecumenal?

Dom Armando: Liturgia e Catequese devem caminhar juntas; o anúncio da Palavra, o conhecimento do projeto de amor de Deus que a Sagrada Escritura conta, deve ser experimentado na vida da pessoa como toque da graça, da bondade do Senhor que em Jesus se torna vida. Catequese Catecumenal é aquela que não só informa, mas forma, isto é, dá forma, íntima e interior, para pensar, amar e viver como Jesus. Para isso, como nos ensinaram o antigos Padres da Igreja, a Catequese deve ser mistagógica, palavra que significa “conduzir para dentro do Mistério”. A Liturgia celebra – no sentido que torna atual para nós hoje – o que Jesus fez em sua vida, morte, ressurreição, ascensão ao céu e dom do Espírito. Sem essa experiência, feita de oração pessoal e comunitária, sem envolvimento com as celebrações litúrgicas, a Catequese seria só informação, bonita e importante, mas insuficiente. Nisso vejo um dos maiores desafios de nossa Catequese hoje; muitos pais pedem a “cerimônia” da “primeira Eucaristia” ou da Crisma dos filhos, mas sem o compromisso de uma participação constante à vida eclesial! Pastores e Catequistas e as Comunidades eclesiais de nossa Igreja devem enfrentar com coragem e fé esses desafios para que a Catequese alcance seu objetivo.

Padre Fábio: Quais as contribuições que a Liturgia pode oferecer na caminhada da Sinodalidade?

Dom Armando: Sujeito da Liturgia é o “nós” eclesial. A Liturgia é louvação a Deus por parte de um “Povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (cf. documento conciliar: Lumen Gentium = Luz dos Povos 4). Por isso, em toda celebração litúrgica, de Sacramentos, Sacramentais e Piedade popular, nós somos educados a “caminhar juntos” – esse é o sentido do termo sínodo. Toda expressão de subjetivismo, individualismo e egoísmo não encontra espaço na Liturgia se vivida segundo o espírito que lhe é próprio. Com isso, não se esquece a espiritualidade e a necessidade – responsabilidade de cada qual participar da liturgia com sua história de fé e de amor, mas se envolvendo no mistério do Corpo místico do Senhor. O Papa Francisco encerra a Carta Desiderio Desideravi com este convite: “Abandonemos as controvérsias para ouvirmos juntos o que o Espírito diz à Igreja, guardemos a comunhão, continuemos a nos maravilhar com a beleza da Liturgia” (DD 65).

Padre Fábio: Quais os ensinamentos e as lições que o Concilio Vaticano II pode nos oferecer para sermos uma Igreja em saída?

Dom Armando: No início do primeiro documento do Vaticano II – a já citada Constituição sobe liturgia – afirma-se: “O Sagrado Concílio se propõe a fomentar cada vez mais entre os fiéis a vida cristã… e fortalecer tudo o que possa atrair todas as pessoas ao seio da Igreja”. A finalidade missionária acompanha todos os 16 documentos conciliares. Recordo só uma palavra do documento Ad Gentes (Aos povos), sobre a atividade missionária da Igreja. Lê-se: “Este Santo Sínodo deseja delinear os princípios da atividade missionária e reunir as forças de todos os fiéis, para que o povo de Deus, avançando pelo estreito caminho da cruz, difunda por toda a parte o Reino de Cristo, Senhor e perscrutador dos séculos (Eclo 36,19), e prepare os aminhos para a sua vinda” (AG 1). De fato, o Concílio deu um forte impulso missionário à Igreja toda. Sinto urgente que as novas gerações procurem conhecer essa página tão bela e fecunda do nosso caminhar eclesial e, à luz das novas urgências e instâncias, acolham com espírito firme e generoso essa abertura que ecoa com voz vibrante e insistente em Papa Francisco, o primeiro Papa “filho do Concílio”, ele que assumiu como leitmotiv de seu pontificado a fiel realização das instâncias conciliares.

Padre Fábio: Como fazer para celebrar uma liturgia conectava com a vida?

Dom Armando: Não conheço fórmulas mágicas para isso. Penso, todavia, que precisamos sempre recordar a palavra que retorna com insistência em Jesus: Convertam-se. Sem a acolhida humilda, sincera e fiel da mensagem do Senhor nenhuma Liturgia conseguirá conectar com a vida. Então, somos chamados todos – pastores e fiéis – a acolher e viver os momentos celebrativos como pausas de reabastecimento espiritual em nossa vida, de frequente, repleta de desafios, angústias, desânimo, e também fragilidades e pecados. Nessa hora, o encontro com os irmãos e as irmãs de fé, a escuta da Palavra e a celebração da Eucaristia farão arder os nossos corações, como aconteceu com os dois discípulos que, conta Lucas 24, estavam fugindo de Jerusalém, desanimados e mortos em seus corações. As palavras daquele peregrino anônimo abrem, de novo, horizontes de esperança e, chegando em casa, o reconheceram no pão partilhado. Tenho certeza de que, participando com simplicidade de coração e busca fiel, o alimento que recebemos fortalecerá a nossa vida e fará crescer o amor em todos os ambientes em que a vida nos conduz. É meu desejo.

Autor(a): Padre Fábio Luís Galle | Pascom NH

Tags

Leia também...