Seminaristas da Diocese de Novo Hamburgo em missão no coração da Amazônia

O chamado que Nosso Senhor Jesus Cristo fez a sua Igreja, “Ide por todo o mundo e a todos os povos fazeis discípulos meus” (Mt 28,19), este chamado ainda tem força, pois onde houver almas é neste lugar que Deus quer habitar. Diante desse mandato que Nosso Amado Deus fez com que eu (Luan Carneiro Palharini, 1º ano da configuração, da paróquia Santa Teresinha de Campo Bom) e meu irmão de seminário Anderson Possamai (3º ano da configuração, da paróquia São João Batista de Parobé) pedimos ao nosso bispo e formadores a possibilidade de realizarmos uma experiência missionária. Graças ao “Congresso Missionário” que aconteceu em Manaus no ano de 2023, o seminarista Anderson teve contado com o bispo Dom Edson Damián e o até então monsenhor Vanthuy, hoje bispo titular da diocese de São Gabriel da Cachoeira.

Neste ano de 2025, recebemos a graça de deixar nossa realidade diocesana e mergulhar na desafiadora missão do Alto Rio Negro, na diocese mais indígena do Brasil, onde convivem 23 etnias distintas, espalhadas pelos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, juntos possuem o tamanho do Estado de São Paulo. Embora possua um território imenso, há apenas 10 paróquias e cerca de 20 padres, contando com religiosos salesianos e missionários do Sagrado Coração de Jesus.

Especificamente estamos situados no distrito de Cucuí, na Paróquia São Sebastião, localizada no tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela. A paróquia tem uma vasta região estando banhada por dois rios principais a parte mais ao norte do Alto Rio Negro e Rio Xié, tendo majoritariamente as etnias indígenas Baré e Werekena. A língua predominante é o Nheengatu (Língua Geral), sendo também chamado de Tupi-moderno, uma adaptação que os jesuítas fizeram para poderem se comunicar melhor com os povos indígenas. Eles adotaram esta língua, pois a sua língua própria já se perdeu e não há mais falantes, apesar disso em sua grande maioria falam português com facilidade. Por estarmos situados na fronteiro existe muitos imigrantes venezuelanos e colombianos, portanto a língua espanhola também é uma realidade muito comum na região.

A grande peculiaridade dessa missão está na geografia: as comunidades estão às margens dos rios, que são as verdadeiras “estradas” da região. Para que estas comunidades possam ser atendidas e receberem a Palavra de Deus e os Sacramentos realizamos visitas chamadas de “Itinerância”, onde é usado um pequeno barco, chamado na região de “voadeira”. Quando chegamos celebramos a santa missa com eles, batizamos as crianças, as vezes crismamos, é distribuído a unção dos enfermos para aqueles que precisa e realizamos algum momento de catequese. São realizadas somente quatro itinerâncias ao ano, somente pode ser realizado devido ao alto custo do combustível. São apenas quatro itinerâncias por ano, devido ao alto custo do combustível, custeado pela própria diocese, que também possui inúmeras dificuldades financeiras, além de ajudas e doações.

Além disso, existem muitas outras dificuldades. A primeira são as cachoeiras, que não são em si quedas d’água, mas fortes corredeiras, uma característica muito própria do Alto Rio Negro e seus afluentes. Apesar da beleza, uma voadeira não pode passar por elas por ser muito perigoso. Assim, é necessário descer, tirar todas as coisas (inclusive o combustível) e puxá-la à força por terra até águas mais calmas. A segunda são os diversos problemas humanitários, seja pela pobreza, simplicidade ou comidas pouco nutritivas, algo mais presente nas comunidades. Contudo, uma grande dificuldade do povo indígena é o alcoolismo, que muitas vezes gera violência doméstica e até casos de suicídio. Pelo fato de nas terras demarcadas ser proibida a comercialização de bebidas alcoólicas, existe tráfico de bebidas e envolvimento com o narcotráfico internacional.

Apesar dessas inúmeras dificuldades, a parte mais desafiadora talvez seja que é em meio a tantos desafios que é possível ver a alegria do Evangelho. Pois, como dizia São Josemaría Escrivá, “não há alegria com um dia sem a cruz”. É justamente neste meio onde a graça de Deus atinge inúmeros corações, inclusive os nossos. Devido à ausência de padres que se deu por certo tempo no distrito de Cucuí, não houve um chamado “vínculo eclesial”: uma paróquia enfraquecida pastoralmente e um certo desinteresse de grande parte dos fiéis. Fomos, portanto, enviados para esta paróquia a fim de realizar um trabalho de estruturação e animação dos fiéis para maior participação e engajamento pastoral. Alguns, ao saberem que iríamos para esta região, diziam: “é a realidade mais desafiadora de nossa diocese”. E o que encontramos foi justamente isso: um certo desânimo e desconfiança em relação à Igreja.

Por isso, quando chegamos, logo nos reunimos com as lideranças para ouvi-los e saber quais eram os anseios da comunidade. Uma coisa que pediram foi o início de um oratório, dado a influência dos salesianos, que foram os evangelizadores da região. Aos moldes de Dom Bosco, reunimos crianças e jovens para momentos de brincadeiras e lanche, aproveitando para realizar uma catequese. Assim o fazemos, todos os sábados reunimos em torno de 20 crianças, que alegremente vêm participar, sendo algo aguardado toda a semana. Sem dúvida, este é o trabalho mais marcante e gratificante, pois é incrível ver a alegria no rosto de uma criança e, sobretudo, perceber que as sementes da fé já estão sendo plantadas em seus corações.

Outra coisa que nos foi pedida foi um forte trabalho com a juventude, pois muitos adultos e professores nos falaram de suas preocupações com os jovens, que não possuem grandes perspectivas, e, quando têm, não querem colocar os meios para atingi-las. Organizamos, portanto, um acampamento jovem, tendo como tema central a evangelização e uma real mudança de vida, centrando-se na passagem do “Jovem Rico”. Aproveitamos a cultura local, em que dormir em redes no meio da mata é comum. Foi uma experiência muito boa e buscamos criar um grupo de jovens para dar seguimento ao trabalho. Contudo, foi uma tentativa frustrada. Apesar disso, existe um certo interesse pessoal dos jovens pela realização da catequese, que não possui estrutura pastoral nenhuma, simplesmente reunimos alguns jovens todas as semanas e falamos sobre as verdades de nossa fé. No final, receberão os devidos sacramentos.

As outras dimensões sempre foram de difícil trabalho, mas da nossa parte sempre buscamos plantar as sementes do Evangelho, pois isto é o que realmente realiza o ser humano, já que “não há amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13). Este é um fato muito importante, por ser uma cultura diferente, em uma realidade difícil, e com uma vivência de Igreja distinta da que estamos acostumados, pode parecer que seja algo exaustivo e sem frutos, porém, é a graça de Deus que age. Quantas vezes podíamos perceber um sorriso, uma lágrima, uma resposta ou uma expressão de carinho dada a nós. Contudo, nós sabemos que não é para nós essa gratidão, mas para o próprio Deus. Não é incomum perceber a ação da divina providência, seja em questões materiais, seja por situações em que parecia que tudo convergia para aquele momento.

Além disso, existem certas percepções que, num olhar humano, podem parecer algo anormal, algo que não conseguimos entender, mas Deus é capaz de agir, mesmo sem a excelência dos sacramentos, pois Ele não abandona os seus filhos. Quando observamos as festas de santos aqui, mesmo tendo sido bastante mundanizadas, existe uma carga religiosa extremamente profunda, bonita e centrada em Nosso Senhor Jesus Cristo. Mesmo sem a constante presença dos sacerdotes, o povo que aqui reside tem uma grande reverência e valoriza o sacramento. Pois, quando o padre chega para uma missa, aquelas pessoas que estavam sujas do dia a dia se arrumam e colocam uma roupa que deixaria, muitas vezes, o nosso povo com inveja. Isso tudo porque eles sabem o que é aquilo e que não é brincadeira. E isto é um grande ensinamento para nós: só valorizamos quando não temos.

Realmente, os desafios são enormes, onde as questões sociais, ambientais e políticas são extremamente complexas, porém, a solução é simples: voltar ao essencial. Muitas vezes tentamos armar grandes planos pastorais, pensamos que seríamos os homens que ensinariam o que é ser uma paróquia, o que é ser uma comunidade, contudo, esquecemos que “é Deus quem faz crescer” (1Cor 3,7). Estas pessoas aqui nos mostraram que não é necessário muito para viver. Pois, como dizia Santa Teresinha: “o Bom Deus não precisa de grandes obras, mas somente do abandono e da gratidão” (Manuscrito B, 3r). Somos, muitas vezes, dependentes de certas facilidades e apegados às coisas e à boa fama, porém o mais importante é Ele. A solução é o que a Igreja sempre fez e que os antigos missionários fizeram, que, deixando tudo, viram-se derramar o seu sangue para levar a graça de Deus através dos sacramentos, e hoje são esquecidos, julgados e desprezados. Hoje vemos os seus frutos; vemos como Deus agiu em suas vidas.

Algo bastante marcante para as nossas vocações foi encontrar o túmulo de um padre no meio de uma pequena comunidade, num lugar extremamente isolado. Seu nome foi esquecido, sem glamour, sem nada, somente estando com os indígenas, povo que Deus escolheu para ele dar a vida. Isso nos ensina que o sacerdote não foi feito para aproveitar do prestígio e do status social que esta condição pode proporcionar, mas para entender que foi um homem feito para a missão, a mesma missão de Cristo. Ele não foi somente o sacerdote que ofereceu o sacrifício em remissão de nossos pecados, mas ele foi a própria vítima que derramou o seu sangue. Da mesma forma deve ser qualquer sacerdote hoje: não um homem com aparência piedosa e zelosa, um grande agente social ou um exímio administrador, mas alguém que soube se assemelhar a Cristo e dar a vida.

Todos os dias deve, no coração do homem, ressoar as palavras de Santa Teresa de Calcutá: “Senhor, aceito tudo aquilo que me deres e dou-Te tudo aquilo que tirares”. Nada nos pertence, tudo é d’Ele. Nós somos somente, como disse Bento XVI, “humildes trabalhadores da vinha do Senhor”. A missão faz-nos ver o mundo com outros olhos; faz-nos ver as necessidades de nossos irmãos sofredores; faz-nos ver a angústia que existe no coração do ser humano; faz-nos ver que a ação de Deus foge das mãos humanas. A única coisa que dizemos aos jovens é que tenham uma verdadeira confiança abandonada em Nosso Senhor, que Ele é o guia de nossas almas. Não se guiem por ideias fantasiosas, pois a vida é dura, a realidade é muitas vezes triste, a humanidade vai nos decepcionar muitas vezes, mas a nossa esperança está ancorada na Eternidade, pois “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). O que nos resta é dizer as palavras de São João Bosco: “Dai-me almas, e ficai com todo o resto”. Que Maria Auxiliadora interceda por todos nós.

MAPA TERRITORIAL DA PARÓQUIA

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