A NOVA ECLESIOLOGIA A PARTIR DO CONCÍLIO VATICANO II – parte 3

Leomar Brustolin apresenta um contexto breve formulado por Dom Demétrio Valentini, de como estava este mundo quando o Concílio aconteceu, nas décadas de 1950 e 1960 que, segundo ele, foram as mais otimistas dos últimos séculos1. Enquanto a Europa se reestruturava das consequências da guerra, os Estados Unidos da América se contrapunham à União Soviética na política e João XXIII assumia a cátedra de Pedro, na Igreja. O clima era de desenvolvimento sem limites, conforme o autor, e a África proclamava sua independência em cada vez mais países.

Internamente, a Igreja já via alguns movimentos acontecerem: o movimento Litúrgico, Bíblico, Ecumênico e Teológico. Alguns movimentos eram já semelhantes aos que hoje se conhece: a Comunidade de Taizé (1940), o Movimento dos Focolares (1948), os cursilhos de cristandade (1949). Cada movimento ia despertando os interesses que envolviam sua esfera, e viam pessoas querendo participar deles2. A pré-existência destes movimentos ao Concílio ajuda a perceber que ele não pode ser visto como ruptura, senão um aperfeiçoamento ou continuação do que, em nível de semente, já estava acontecendo antes dele.

Advindas do Concílio Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX, encerrado em 1970, já existiam as ideias de Igreja vista como o Corpo de Cristo, fundada por Ele próprio; como verdadeira sociedade, perfeita, espiritual e sobrenatural; una; concórdia entre ela e a sociedade civil e o direito de usar o poder segundo sua própria doutrina católica3. Nos temas, percebe-se que já no primeiro Concílio Vaticano o mundo social para “além-muros” da Igreja era considerado, levado em conta. Quem queira confirmar lerá na Pastor Aeternus e na Dei Filius a explicação de Igreja como um sinal entre as nações e mestra da Palavra revelada, bem como fundada a doutrina do episcopado e do pontífice como infalíveis em questões de fé e moral4.

Diz Kasper que o Concílio, uma vez que se desligou dos estreitamentos antirreforma que vinham desde Trento5, retomou o conceito bíblico, eclesial e litúrgico do povo de Deus. 6

É, porém, no Concílio Vaticano II que a Igreja se volta para si, em um movimento de auto reflexão ou auto reconhecimento; ou ainda, para usar um termo difundido entre os eclesiólogos, o Vaticano II foi um Concílio da Igreja sobre a Igreja. Convocado em 1960 por João XXIII, o Concílio ocupou-se de seus trabalhos eclesiológicos, aprovando a Lumen Gentium somente em novembro de 1964.

1. O MISTÉRIO DA IGREJA – VISÍVEL E INVISÍVEL – LUMEN GENTIUM

Há uma renovação da eclesiologia, uma nova visão da Igreja sobre ela. Hackmann nos explica:

“(…) o visível e o invisível numa simultaneidade, conforme expressa claramente o número 8 da Lumen Gentium demonstrando a importância da redescoberta do mistério da Igreja para a sua autocompreensão. Dessarte, ela inicia com o capítulo sobre o mistério da Igreja, não o definindo, mas compreendendo-o como um acontecimento da história salvífica. Esse título indica que a Igreja é muito mais do que se pode ver e perceber empiricamente, muito mais do que o visível e historicamente manifestado pela sua organização estrutural. Ele indica uma dimensão espiritual, interior, sobrenatural e divina. E esses dois aspectos – o visível e o invisível, ou o exterior e o interior – formam uma única realidade”7.

Então, já não se pode mais compreender a Igreja como algo simplesmente terreno, nem complexamente espiritual, nem abstrata, nem deslocada. Localiza-se a Igreja no mundo, no meio das nações, no meio dos homens, porém, não simplesmente identificada como uma organização institucional, mas como mistério, como Sacramento de Salvação, como um corpo místico com muitos membros que tem como cabeça o próprio Cristo, que a fundou e instituiu (Cf. LG 9). Nem tampouco, como faz entender Gérard Philips, se faz permanentemente estática, se não com dinamismo, princípio este que se aplica na evangelização e no testemunho cristão no meio do mundo profano8.

Pe. Cléber Rodrigues

Na próxima semana, leia a parte 2 desde artigo.


REFERÊNCIAS:

1. BRUSTOLIN, L. (Org.). 50 anos do Concílio Vaticano II: Recepção e interpretação, p. 27.

2. BRUSTOLIN, L. (Org.). 50 anos do Concílio Vaticano II: Recepção e interpretação, p. 27.

3. Cf. HACKMANN, G. A amada Igreja de Jesus Cristo: Manual de eclesiologia como Comunhão Orgânica, p. 46.

4. Cf. HACKMANN, G. A amada Igreja de Jesus Cristo: Manual de eclesiologia como Comunhão Orgânica, p. 47.

5. Referência ao Concílio de Trento, ocorrido de 1545 a 1564, foi a resposta da Igreja Católica contra as movimentações e correntes teológicas levantadas por Lutero e seus seguidores. Tal concílio, apesar de pouco estudado na teologia da atualidade, influenciou quatro séculos de Eclesiologia. “Condicionada por querer dar uma resposta à Teologia dos reformadores e querer estancar a influência da Reforma, esclarece os pontos doutrinais mais atacados, sem, contudo, pretender apresentar uma proposta doutrinal sistemática e ampla”. Cf. HACKMANN, G. A Amada Igreja de Jesus Cristo: Manual de Eclesiologia como Comunhão Orgânica, p. 39.

6. Cf. KASPER, W. A Igreja Católica: Essência, realidade, missão, p. 170.

7. HACKMANN, G. A Amada Igreja de Jesus Cristo: Manual de Eclesiologia como Comunhão Orgânica, p. 50.

8. Cf. PHILIPS, G. La Chiesa E Il Suo Misterio: storia, testo e commento della Lumen Gentium, p. 634.

Texto extraído do Trabalho de Conclusão de Curso de Teologia: OS NOVOS MOVIMENTOS ECLESIAIS COMO RESPOSTA AOS DESAFIOS ATUAIS – PE. CLÉBER JOSÉ RODRIGUES – PUCRS/2019.

Autor(a): Pe. Cléber Rodrigues

Direitos da Imagem: ASCOM NH

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