Padroeiro da Juventude
(1568-1591)
Não convém querermos ser grandes por causa do nosso nascimento: porque também os príncipes são cinzas como os pobres.” [1]
Se para alguns mártires da antiguidade coube a sorte de permanecerem na história como lendas, que os tornaram mais simpáticos do que eram, outros santos, como Antônio de Pádua e Luís Gonzaga, a tradição popular, alimentada por certo tipo de hagiografia, reservou-nos a surpresa de encontrá-los com história desfigurada sem nenhuma vantagem para suas pessoas.
Antônio, o douto franciscano, combativo e defensor dos pobres, admirado até mesmo por são Francisco por sua santidade e sabedoria, tornou-se na fantasia popular um fradinho de rosto angélico que encontra os objetos perdidos ou o prodigioso mago que arruma casamentos para as moças solteiras.
Luís Gonzaga, de caráter decidido e de inteligência aguda, conhecedor do luxo e da magnificência das cortes europeias, foi retratado como um jovem imerso em nuvens celestes que, para não perturbar sua pureza, fechava os olhos todas as vezes que encontrava uma mulher pelo seu caminho, mesmo que fosse a sua mãe.
Mas a verdadeira história é bem diferente.
Luís nasceu no castelo de Castiglione delle Stiviere, entre Bréscia e Mântua, no dia 9 de março de 1568, filho do marquês dom Ferrante Gonzaga e da condessa senhora Marta Tana de Santena, um casal de jovens esposos que voltou da corte de Madri, onde ambos tinham estado a serviço do rei Filipe II e da rainha Isabel.
Enquanto uma salva de tiros de artilharia no pátio do castelo anunciava a vinda ao mundo do primogênito, na câmara nupcial havia uma grande preocupação em relação à saúde do menino e de sua mãe. O parto tinha sido muito difícil e a mãe, não vendo ainda o seu pequenino, chamara para junto de si o marido para saber o que estava acontecendo, e tomando conhecimento do que sucedia, fez com ele o voto de uma peregrinação a Loreto, se Nossa Senhora salvasse a vida do menino e a sua.
Depois o pai, dom Ferrante, providenciou imediatamente o batismo do menino, para que se nos planos de Deus ele não pudesse tê-lo na terra como herdeiro ao menos o teria no céu como anjo protetor. Assim que foi batizado, foi mostrado à sua mãe que o beijou com devoção; fez-lhe o sinal-da-cruz na fronte e o ofereceu a Maria.
Nada houve de extraordinário nessa atitude. Assim procediam todas as famílias católicas daqueles tempos e a família dos Castiglione delle Stiviere traziam o cristianismo no sangue.
Se o primeiro parto foi difícil, os outros seis, que a seu tempo o seguiram, foram muito bem e a senhora Marta teve a alegria de educar de maneira cristã os seus sete filhos. Duas coisas ela lhes ensinava com muita dedicação: a arte de orar, pois estava convencida de que quem não mantém um bom relacionamento com Deus não pode estabelecer um bom relacionamento com os outros; e depois, amor para com o próximo, sobretudo para com os pobres, porque neles enxergava uma presença especial de Cristo. O marquês seguia de boa vontade a sua mulher, mesmo quando não conseguia lhe acompanhar os passos.
O destino de Luís estava claro para todos: deveria tornar-se um perito na arte militar e em governar, porque seria o herdeiro dos bens e títulos do seu pai. Por isso, já na idade de 4/5 anos, trazia a divisa de pequeno capitão em Casalmaggiore ao sul do rio Pó, onde o pai, por ordem de Filipe, II treinava 3 mil soldados de várias partes da Itália para serem enviados à Tunísia com exército imperial a fim de exterminar as últimas resistências islâmicas que permaneceram em armas, depois da batalha de Lepanto.
O pequeno soldado observava com interesse o movimento disciplinado das tropas e ficava particularmente atraído pela explosão de um disparo. Um dia, aproveitando a distração de uma sentinela, carregou uma colubrina acendeu a mecha. O tiro por felicidade partiu para o alto sem provocar nenhum dano e o menino foi lançado para trás ficando coberto de pó. Quando o levaram ainda todo sujo, mas sorridente, para o seu pai, também o pai sorriu por complacência. Era um soldado precoce. Infelizmente, como sua mãe percebeu, o menino aprendia rapidamente não só o uso das armas, mas também as maneiras nem sempre educadas dos soldados.
Quando o pai embarcou para a Tunísia juntamente com os seus soldados em 1573, Luís teve de retornar para casa, onde o aguardava sua mãe com outros dois irmãozinhos. Abandonou a divisa militar e submeteu-se de boa vontade à disciplina materna, que com delicadeza e decisão lhe purificou o linguajar, fazendo-o compreender que certas palavras não ficam bem na boca do cristão.
Quando grassou no norte da Itália a famosa peste de 1576, dom Ferrante enviou Luís e Rodolfo, o segundo filho, para Florença, para junto de seu amigo, o grão-duque da Toscana, a fim de escapar do perigo da peste e para estudar.
O parêntese fiorentino foi muito importante para Luís. Inteligente e atento observador, aplicava-se ao estudo e ao mesmo tempo examinava a vida que se levava na corte. Era muito diferente daquela que com sua família vivia em seu castelo e muito distante dos ensinamentos maternos.
Percebia ali superficialidade, falsidade e muita corrupção.
Não tinha dificuldade para criar amizades e gozava de estima e respeito. Todos sabiam que em Luís eles podiam confiar, pois nele não havia falsidade, mas compreendiam também que ninguém poderia enganá-lo, atraindo-o para coisas superficiais.
Sua igreja preferida era a da Anunciação. Certo dia, enquanto orava nesta igreja diante da imagem da Virgem, o Senhor lhe mostrou com clareza dois caminhos: aquele do mundo, no qual havia dado alguns passos na sua infância sem nem mesmo se aperceber, e que o teria levado a viver uma vida vazia de valores; e o outro caminho evangélico que havia entrevisto já na idade de 5 anos e que sua mãe muitas vezes lhe havia feito conhecer com o exemplo e com a palavra.
Luís tomou sua decisão, fez conscientemente aquilo que hoje se chama de opção fundamental da sua vida: mesmo que tivesse de permanecer na corte e aprender a arte da diplomacia e da política, não aceitaria jamais nenhum compromisso com os costumes corrompidos daquele ambiente.
Para selar este propósito ele fez o voto de castidade. Tinha apenas 10 anos. Podia entender as consequências de tal empenho? A resposta quem nos dá é são Carlos Borromeu que, dois anos depois, em uma conversa com Luís, não só não o repreendeu por essa sua decisão, mas o encontrou tão amadurecido que quis lhe dar pessoalmente a primeira eucaristia, mesmo não sendo costume fazer a comunhão nessa idade.
De Florença Luís e Rodolfo foram enviados para Mântua, à corte do duque, seu parente. Aí Luís sentiu os primeiros sintomas de uma doença que — segundo o parecer dos médicos do tempo — só poderia ser curada com uma rígida e controlada dieta na alimentação e na bebida. Luís se submeteu com docilidade às orientações do médico, enquanto começava a despertar em si a ideia de renunciar ao marquesado em favor do irmão Rodolfo e entrar em uma ordem religiosa.
Mas as convenções sociais, que os seus pais julgavam ser um privilégio e um dever, fizeram que, no ano de 1581, ele fosse para a Espanha como pajem de honra do príncipe herdeiro, dom Diego. Contemporaneamente continuou seus estudos de filosofia na Universidade de Alcalá.
Em meio às ocupações da corte e dos estudos, Luís encontrava tempo para ler livros de espiritualidade e para orar. Leu meditando o famoso Compêndio da doutrina espiritual, de Luís de Granada, mas mergulhou sobretudo na leitura de um opúsculo de são Pedro Canísio e das cartas escritas pelos missionários jesuítas nas Índias.
Compreendeu, então, que o seu lugar era na Companhia de Jesus.
Não foi fácil para seu pai aceitar sua decisão, ao passo que sua mãe aprovava em silêncio. Enfim, venceu as resistências paternas e renunciou ao marquesado em favor de seu irmão Rodolfo, e no dia 25 de novembro de 1585, depois de uma visita de três dias a Loreto, para cumprir o voto feito pela mãe no dia do seu nascimento, podia finalmente entrar para o noviciado dos jesuítas em Roma. Não era novidade para os jesuítas receber em suas fileiras personagens provenientes da alta nobreza. Disso eram exemplos ilustres, além do fundador, os primeiros companheiros de Inácio e Francisco Bórgia, sucessor de Inácio. Entrava-se na Companhia com a condição de deixar do lado de fora todo sinal de sangue azul, porque passando por aquela porta todos eram iguais.
Luís, que havia morado como estrangeiro em várias cortes europeias, em Roma sentiu-se em casa: “Se eu tenho” — escreveu — “um país natal aqui, esse é Roma, onde nasci em Jesus Cristo”. Lá, sob a orientação de Roberto Belarmino, terminou brilhantemente o curso de filosofia e iniciou a teologia. Por ordem dos superiores retornou ao castelo paterno para conciliar uma briga que surgiu entre o irmão e o príncipe de Mântua. Realizou essa missão devido ao ascendente moral que gozava junto de todos e pela caridade com que soube tratar cada um. Obteve também a regularização do matrimônio de seu irmão que, infringindo as leis do tempo, havia se unido a uma jovem que não era da sua condição social.
Voltando para Roma, iniciou em novembro de 1590 o último ano de teologia para ser depois ordenado sacerdote. Não que isso fosse para ele uma meta cobiçada, porque para ele o que realmente importava era aprofundar sua união com Deus, tantas vezes experimentada, que lhe dava um sentido de plenitude. Amar para dar glória a Deus e para ser amado por ele, simplesmente isso é o que queria, em sintonia com o carisma inaciano.
Quando em Roma grassou a epidemia que tantas vidas havia já ceifado no norte da Itália, pediu e lhe foi concedido servir aos doentes no hospital de São Sisto. Pouco depois, porém, a permissão lhe foi retirada por temor de que a sua frágil constituição física pudesse correr o perigo de contágio. Todavia foi-lhe permitido, diante de sua insistência, poder visitar os enfermos considerados com menos perigo de contágio, de um outro hospital situado aos pés do monte Campidoglio.
Um dia, enquanto se dirigia para o hospital, encontrou abandonado na rua um empestado no fim da vida. Colocou-o sobre as suas costas e o levou ao hospital. Era um doente de peste e Luís contraiu a doença, que em poucos meses o conduziu à morte. Foi no dia 21 de junho de 1591 e Luís tinha apenas 23 anos.
Algum tempo antes, talvez prevendo a sua partida iminente, escrevera uma longa carta para a sua mãe, na linguagem pomposa do tempo, dizendo-lhe: “Os médicos, que não sabem como irá acabar, procuram fazer todo o possível para a saúde do corpo. Mas para mim é mais importante pensar que Deus nosso Senhor queira conceder-me uma saúde melhor do que aquela que possam obter os médicos; e, portanto, estou verdadeiramente feliz, porque espero que dentro de poucos meses Deus nosso Senhor me chame da terra dos mortais para o reino dos vivos”. A esta seguia-se uma outra que traz a data de 10 de junho de 1591: “A separação não será longa. Voltaremos a nos ver no céu e juntamente unidos ao autor da nossa salvação gozaremos alegrias imortais, louvando-o com toda a capacidade da alma e cantando sem fim suas graças… Eu disse estas coisas só para obedecer ao meu ardente desejo de que tu, ilustríssima senhora, e toda a família, considereis a minha partida como um acontecimento jubiloso… Preferi escrever para ti, porque nada me ficou com que possa manifestar de modo mais claro o amor e o respeito que, como filho, devo à minha mãe”.[3]
Foi proclamado beato no ano de 1605, santo no ano de 1726 e, no ano seguinte, padroeiro da juventude, e para a maior parte dos seminaristas que, depois do concílio de Trento, eram orientados pelos jesuítas ou se inspiravam na espiritualidade inaciana, Luís Gonzaga foi proposto como modelo para todos os aspirantes ao sacerdócio.
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