Na noite de ontem, a Catedral São Luiz Gonzaga, em Novo Hamburgo, foi o local de uma solene celebração da Santa Missa em unidade com toda a Diocese, em um dia especialmente dedicado à oração pelo Santo Padre, o Papa Francisco. A celebração foi presidida por Dom João Francisco Salm, Bispo Diocesano, e contou com a presença dos formadores dos seminários, Padre Vicente e do Padre Américo, vigário paroquial da Catedral.
A Santa Missa foi um momento profundo de comunhão com toda a Igreja, em espírito de unidade e oração pelo Papa, sucessor de Pedro, que conduz com zelo e humildade o rebanho de Cristo. Durante a homilia, Dom João Francisco partilhou com os fiéis um texto de reflexão escrito por Jordi Bortomeu, que será reproduzido a seguir:
Francisco se veste de Páscoa
Por JORDI BERTOMEU, Oficial do Dicastério para a Doutrina da Fé
22 de abril de 2025
Morre um Papa
Nesta segunda-feira de Páscoa, recebemos com dor a notícia de que Francisco nos deixou. Batizado como Jorge Mario, foi um homem de Deus, um jesuíta do discernimento e, por isso mesmo, um homem profundamente humano e divino que, depois de ser arcebispo de Buenos Aires, chegou a Roma vindo, como ele dizia, “do fim do mundo”, das periferias existenciais. Foi chamado a ser Papa de uma Igreja com mil e quinhentos milhões de pessoas.
Morre um irmão
Nestes mais de doze anos, nunca fechou a porta de seu apartamento em Santa Marta para ninguém. Nunca rotulou ninguém. Nunca rejeitou ninguém. Pelo contrário: como um irmão mais velho, acompanhou todos que se aproximaram dele e os tratou como preferidos e preferidas de Deus. Em sua proposta, estavam todos, todos, todos. Jamais lhe foram alheias as circunstâncias pessoais daqueles que Deus lhe confiou no caminho. Por isso hoje o choram os humildes e os de coração simples, inclusive os afastados da fé cristã. Ele é um dos seus.
Morre um pai
A partir da crise dos abusos no Chile, em 2018, no meu contato quase semanal com ele percebi uma mudança, uma metanoia, como dizemos tecnicamente — uma verdadeira conversão no Francisco octogenário. Encontrou-se pessoalmente com as vítimas de Karadima em Santa Marta e fez da dor delas a sua dor, como um pai faz com a dor dos filhos.
Morre um pastor
A vítima precisava estar no centro da Igreja, porque é ali que está Cristo. Francisco se sabia pastor de um rebanho que precisa de leis contra os abusos, leis para acabar com o encobrimento eclesial, leis para promover uma cultura do cuidado e da prevenção na Igreja. Além disso, sua voz tornava compreensível o caminho da fé para seu rebanho. Passou a “cheirar a ovelha” pelo contato próximo e constante com homens e mulheres de boa vontade que, junto a ele, encontravam sentido na fé, consolo e esperança.
Morre um mestre
A Igreja não avança aos saltos nem com rupturas marcadas. A continuidade é dada pelo Espírito Santo, carícia e sopro do Pai ao Filho compartilhados com a comunidade dos “chamados”, a Ecclesia. O magistério de Francisco continuará em mais discernimento, mais compromisso com as vítimas e os pobres, mais sinodalidade eclesial, mais presença centrada num mundo polarizado que precisa de construtores de pontes, não de muros.
Morre um profeta
Encontrou-se no seio de uma Igreja surda ao clamor dos abusados. Era necessário resgatá-la como um espaço são e seguro para os mais vulneráveis, em meio a uma sociedade abusiva por si só. Para sempre fará parte do legado de Francisco sua proposta de uma Igreja em saída, que vai às periferias do mundo para dizer aos que sofrem que são os preferidos do Pai. Uma Igreja mais simples, mais dialogante, menos clerical ou elitista, mais próxima, mais inclusiva, mais como um hospital de campanha. Uma Igreja que reflete sobre o exercício do poder como serviço e entrega gratuita e desinteressada do Ressuscitado.
Morre um filho de Deus
Em seu testamento, escreveu a vontade de partir como chegou ao mundo: pobre, com a única riqueza do cristão que é a proposta nua da Palavra. Como no Êxodo, caminhou com seu povo, viveu intensamente e com seriedade cada momento, e agora leva apenas o pó das sandálias. Foi-lhe dado o único poder do chamado: participar do sonho de Jesus, libertando a todos dos espíritos imunes, do mal, dos medos e das falsas imagens de Deus.
Vive a promessa da Páscoa
Vimo-lo há poucos dias vestido apenas com um pequeno poncho e sem sapatos, levado em cadeira de rodas pela magnífica e solene basílica de São Pedro. Alguns se escandalizaram ao ver em Roma o velho pescador da Galileia novamente. Francisco já não podia caminhar. Não ouvia mais a voz inocente de uma criança que saudava aquele velhinho curioso por uma vida que apenas começa. Só podia abençoar com um esboço de sorriso. Hoje, Francisco, tendo corrido o trecho final da corrida rumo ao Pai, revestido de Cristo e de seu triunfo pascal, finalmente descansa nos braços do Pai.
Após a homilia de Dom João, o Padre Miguel fez a leitura de um comovente testemunho escrito pelo Padre Juscelino, sacerdote da Diocese de Novo Hamburgo que atualmente reside em Roma. Em seu texto, o padre compartilha experiências pessoais, oferecendo ao povo de Deus um olhar íntimo e cheio de fé sobre a figura do Papa Francisco.
“Lunedì dell’Angelo”
Segunda-feira do anjo… Assim é chamado o dia sucessivo ao domingo de Páscoa aqui na Itália.
Isso se fundamenta no evento em que as mulheres vão ao sepulcro pela manhã e são recepcionadas por um anjo, que anuncia que Jesus não está mais ali. Anuncia a vitória da vida sobre a morte.
Após o comunicado sobre a morte de Papa Francisco, foi-me natural pensar que aquele anjo agora tinha vindo pega-lo pela mão, para que pudesse ressurgir com o Cristo em sua Páscoa no céu.
Despedir-se de Papa Francisco não é uma coisa fácil, não é uma ação espontânea ou meramente ritual.
Lembro-me das vezes em que pude encontrá-lo, da atenção com que escutava e se interessada por cada coisa que lhe era dita. Em junho do ano passado, depois que as águas baixaram, tive a oportunidade de cumprimentá-lo pela última vez. Ao agradecer pela ajuda e pelas orações em favor do povo gaúcho, ouvi sua pergunta carregada de afeto: “Ma la gente, come sta?” Ele queria saber se todos estavam bem, demonstrando a proximidade e a simplicidade que sempre lhe foram características.
O mesmo carinho pude testemunhar quando, em 2022, participei de uma reunião com os demais colegas do Dicastério aqui em Roma. Naquela ocasião, antes de deixar a sala, após as palavras e as orientações que nos deu, ele percebeu que entre nós estava um padre irlandês, cujo pai estava muito mal de saúde. O Santo Padre parou, foi até ele, o abraçou e disse que estava rezando por toda família. As lágrimas que acompanharam aquele momento trouxeram uma consolação magnífica.
Assim foi, e está sendo, minha experiência nesses anos servindo a Igreja aqui em Roma. Trabalhar próximo ao Papa Francisco foi uma graça e um grande aprendizado….
Agora nos resta deixá-lo partir, mas sem enterrar as belas memórias que temos.
Muito se dirá de Francisco. Será lembrado com o papa dos pobres, preocupado com os doentes e próximo dos que padecem o flagelo da guerra. Alguém tentará “santificá-lo” como um apóstolo da paz ou um santo dos migrantes. Para mim, será sempre aquele homem com tal delicadeza capaz de reconhecer um coração aflito, fazendo-se pastor de quem precisa; será um sacerdote dedicado ao seu povo, capaz de interessar-se por quem precisa de consolo e com a grande ternura de, em meio a tantos afazeres e obrigações, querer somente saber como está aquela gente.
Padre Juscelino
A celebração foi marcada por um profundo espírito de comunhão eclesial, e manifestou o carinho e a oração de toda a Diocese de Novo Hamburgo por aquele que, como Pedro, nos confirma na fé e nos conduz no seguimento de Cristo.





















