Em razão do cenário de calamidade provocado pelas enchentes, o retiro anual dos padres da Diocese de Novo Hamburgo que tradicionalmente era realizado no mês de maio, ocorreu entre os dias 2 a 5 de setembro. O evento aconteceu no CECREI – Centro de Espiritualidade Cristo Rei, em São Leopoldo. Contou com a participação do Bispo Diocesano, Dom João Francisco Salm, do bispo emérito, Dom Zeno Hastenteufel, e dos padres da diocese. Dom Juarez Albino Destro, Bispo auxiliar de Porto Alegre, foi o responsável pela orientação espiritual do encontro. O retiro proporciona aos padres um tempo de profunda reflexão, oração e renovação espiritual, fortalecendo sua fé e compromisso com a missão sacerdotal. O Bispo destacou que o retiro visa ajudar os padres a experimentar o projeto de Deus por meio dos sentidos, sentir a presença divina em cada momento e aprofundar o conhecimento de Deus, fortalecendo assim sua fé e missão.
Entrevista com o Bispo Dom Juarez Albino Destro, rcj
Pe. Fábio Luís Galle: Qual experiência vivenciada durante o retiro dos padres da Diocese de NH? O que o senhor destacaria que foi o mais importante?”
Dom Juarez Albino Destro: Foi uma bela experiência de convivência, oração, diálogo. Os vários momentos organizados pela equipe, a meu ver, foram bem conduzidos e, sobretudo, leves, permitindo o tempo necessário para a experiência de espiritualidade integral. O destaque que tentei salientar na introdução ao retiro foi o “desafio” de escutarmos o coração de Deus batendo nos nossos instantes da vida. Escutar, ver, sentir, cheirar, degustar. Nossos sentidos podem não estar educados a isto, de perceber a presença de Deus em qualquer situação, em qualquer momento de nossas vidas. O excesso de estímulo sensorial em que estamos mergulhados não amplia nossa capacidade de sentir, mas a contamina, levando-nos a uma espécie de atrofia, a uma indiferença dos sentidos. O retiro foi um bom momento para “resgatarmos” tal capacidade de sentir!
Pe. Fábio Luís Galle: Quais os principais desafios à espiritualidade sacerdotal nos dias de hoje?
Dom Juarez Albino Destro: “Viver o presente tornando-nos presentes” é um dos grandes desafios. Com tantos afazeres e, talvez, dificuldade em planejar as atividades considerando o tempo para as várias dimensões da nossa formação permanente, e a espiritualidade é uma destas dimensões, podemos ficar “deficientes”. As consequências poderão ser graves, culminando até em situações de depressão ou sensação de sufoco, por não estar conseguindo executar tudo o que se previa. Esquecemos que somos chamados à vida, a cada momento, a cada instante! “Não te criei para permanecerdes na mansão dos mortos”, lemos na homilia antiga do Sábado Santo, um texto do século IV (está no Ofício das Leituras do Sábado Santo). E nossa missão, enquanto membros desta grande vinha, ou enquanto operários na messe, é semear esperança, amor, comunhão, unidade…
Pe. Fábio Luís Galle: Quais as práticas que podem ajudar a manter viva a alegria, a esperança, a comunhão e a unidade no ministério?
Dom Juarez Albino Destro: Uma prática essencial é a Leitura Orante da Palavra de Deus a partir dos textos litúrgicos do dia a dia. Encaixar esse tempo necessário na rotina diária é fundamental para manter viva a alegria, a esperança, a unidade e comunhão no serviço ministerial. O conteúdo de nossa formação permanente está aí, em conjunto com as leituras de documentos do Magistério, o contato com as notícias de nossa região, do país e do mundo, e a presença amorosa nas várias reuniões pastorais, nos grupos, nas famílias. Organizar-se nesse sentido é necessário. Em algumas realidades os padres mais próximos mantêm o salutar hábito de se encontrarem semanalmente para um café ou chimarrão enquanto fazem a Lectio Divina do próximo domingo. É unir a preparação à homilia com um encontro fraterno, que acaba atingindo todas as dimensões da formação permanente em um único momento.
Pe. Fábio Luís Galle: Qual a mensagem mais importante que o senhor gostaria de transmitir aos padres neste retiro?
Dom Juarez Albino Destro: Apesar dos conflitos, normais em qualquer situação, vejam além das aparências superficiais, busquem a essência em cada momento, pois aí está a presença de Deus em nossa vida. A proximidade, o abraço, o toque, vence qualquer distância, reconstrói humanidade, sentimo-nos encontrados, aceitos, reconhecidos, resgatados… Degustem a Palavra de Deus; transmitam esta beleza aos outros; semeiem amor, vida, esperança…
Pe. Fábio Luís Galle: Quais são as principais virtudes que um padre deve cultivar?
Dom Juarez Albino Destro: A principal virtude é “ser como Jesus”, como cantarolava o padre Zezinho há muito tempo, quando – poeticamente – colocou na boca de uma criança a nossa pergunta ainda atual: “O que é necessário para ser feliz?”. E a resposta: amar, sonhar, pensar, viver, sentir, sorrir como Jesus! Ser conforme Ele. Não é sem razão que os nomes das etapas formativas rumo ao sacerdócio ordenado são chamados de “discipulado” para os estudos filosóficos, “configuração” para os estudos teológicos, “síntese vocacional” para a etapa pastoral (estágio). Somos chamados a segui-lo, a estar com Ele, ser seu discípulo missionário, estar em conformidade a Ele. Lemos assim nas diretrizes para a formação dos padres: “Os presbíteros, configurados no seu ser a Cristo Cabeça, Pastor, Servo e Esposo, participam do seu único sacerdócio, na missão salvífica como colaboradores dos Bispos…” (Ratio Fundamentalis 35). Coordenar, pastorear, servir, amar, portanto, são as principais virtudes que um padre deve cultivar. Impensável um que não esteja em comunhão com seu Bispo, pois estaria contradizendo sua opção de vida.
Pe. Fábio Luís Galle: Dentre os temas discutidos no encontro, qual o senhor acredita ser o mais significativo para o desenvolvimento e aprofundamento da nossa vocação sacerdotal?
Dom Juarez Albino Destro: Os temas eram convergentes e complementares entre eles. Tinham o objetivo de levar à percepção de que através dos sentidos aprendemos o projeto de Deus! Aprender a tocar o que nos escapa, a buscar o infinito sabor, a colher o perfume do instante, a escutar a melodia do presente, a olhar a porta entreaberta do momento. Ver muito além do que vemos, ouvir o eterno em cada som, tocar o impalpável, saborear o que é escasso ou ligeiro, inebriarmo-nos com o odor da flor sempre nova! Em suma, sentir Deus conosco através dos cinco sentidos, aprender a reconhecê-los como “oportunidades da relação” com Ele e, assim, estar melhor preparado para exercer nossa vocação e missão para o outro! O detalhe mais significativo para o exercício da vocação sacerdotal, sem dúvida, é o de manter uma postura de vida de constante aprendizado, estar sempre aberto ao novo, disposto a acolher o que nos acontece a cada instante, dom de Deus.